Cadernos do Davi

alguns poemas de adília lopes precedidos de um pedido a você 🫵 que tem carteirinha da biblioteca da UFMG

li o pseudônimo Adília Lopes num poema do Domeneck há alguns meses. Logo então ela começou a pulular em textos variados que eu lia: publicações em blogs sobre literatura, artigos acadêmicos, livros de outros poetas. e eu, que também descobri o que são osgas não faz muito tempo, sei que quando alguma autora começa a aparecer com essa frequência, temos o dever de investigar a serendipidade.

infelizmente suas coletâneas publicadas no Brasil estão esgotadas, caríssimas na estanteVirtual e ausentes do acervo da universidade onde trabalho. Catei os poemas que se seguem na internet. O pedido é muito simples: rola de pegar Aqui estão as minhas contas: antologia poética ou o Dobra: poesia reunida 1983-2014 emprestado pra mim? o que estiver disponível1.

Prometo devolvê-lo no prazo, em igual estado de conservação. E em troca ofereço um café, uma cerveja, qualquer livro do catálogo da PUC-MG ou qualquer filme dessa lista (ou uma combinação entre essas ofertas). Não sendo possível, terei que parcelar um livro usado da cosac naify em 12x no cartão – isso ou viajar para Portugal e trazer de lá, o que estiver mais em conta. 


6
Nasci em Portugal
não me chamo
Adília

7
Sou uma personagem de ficção científica
escrevo para me casar


Uma tarde Maria Cristina
obrigou-me a comer osgas
e a repetir com a boca cheia de osgas
as pessoas sensíveis
gostam de comer osgas
mas não gostam
de ver matar osgas
por isso têm de comer
as osgas vivas
se querem fazer na vida
aquilo de que gostam


ARTE POÉTICA
Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer


A PROPÓSITO DE ESTRELAS
Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas


NO MORE TEARS
Quantas vezes me fechei para chorar
na casa de banho da casa da minha avó
lavava os olhos com shampoo
e chorava
chorava por causa do shampoo
depois acabaram os shampoos
que faziam arder os olhos
no more tears disse Johnson & Johnson
as mães são filhas das filhas
e as filhas são mães das mães
uma mãe lava a cabeça da outra
e todas têm cabelos de crianças loiras
para chorar não podemos usar mais shampoo
e eu gostava de chorar a fio
e chorava
sem um desgosto sem uma dor sem um lenço
sem uma lágrima
fechada à chave na casa de banho
da casa da minha avó
onde além de mim só estava eu
também me fechava no guarda-vestidos grande
mas um guarda-vestidos não se pode fechar por dentro
nunca ninguém viu um vestido a chorar


5
Não gosto tanto
de livros
como Mallarmé
parece que gostava
eu não sou um livro
e quando me dizem
gosto muito dos seus livros
gostava de poder dizer
como o poeta Cesariny
olha
eu gostava
é que tu gostasses de mim
os livros não são feitos
de carne e osso
e quando tenho
vontade de chorar
abrir um livro
não me chega
preciso de um abraço
mas graças a Deus
o mundo não é um livro
e o acaso não existe
no entanto gosto muito
de livros
e acredito na Ressurreição
de livros
e acredito que no Céu
haja bibliotecas
e se possa ler e escrever


fontes:

  1. LOPES, Adília. Aqui estão as minhas contas: antologia poética . Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019. 199p Número de chamada: 869.142 L864a 2019 (LETRAS) ou o LOPES, Adília. Dobra: poesia reunida 1983-2014. Porto: Assírio & Alvim, 2014. 717 p Número de chamada: 869.142 L864d 2014 (LETRAS)

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